sexta-feira, 1 de junho de 2012

Vários testemunhos sobre Liberdade - José P. Frazão e Aura Miguel

Faz dez anos que Aurélio deixou as ruas de Setúbal. Rumou à Associação de Vale d'Acor, que há quase duas décadas recupera toxicodependentes no concelho de Almada. Foi ali que Aurélio diz ter encontrado a liberdade. Longe da outra vida triste e miserável.

- O senhor sente-se livre agora?
- Livre. Livre e muito livre.
- Se a pergunta fosse feita na outra fase da sua vida, também diria que era livre...
- Na outra vida era livre, mas não era. Tinha que ir pedir dinheiro para a droga, tinha que ter aquilo todos os dias. Não era livre quando ia arrumar carros no cruzamento. No Verão, tirava 100 euros por dia. Era tudo para aquilo. Livre sou agora.
- Qual é a sua esperança?
- A minha esperança é ser feliz.

Quando Aurélio nasceu, Pedro já era adolescente. Foi militar, empregado de mesa e caixeiro-viajante. De cabelo branco, 57 anos, tem no corpo três décadas sem sentido, de consumo de drogas duras, de conhecimento profundo do Portugal ilegal.

- Tive dinheiro com fartura. Acabei por perder tudo. Ainda tenho duas filhas, sou casado - casei há 25 anos pela Igreja. A minha mulher nunca me abandonou, mas, nos últimos anos de consumos, já não tinha ninguém. Nem família. Cheguei ao ponto das pessoas se encontrarem comigo na rua e mudarem de lado para não bater comigo de frente.

A liberdade de tomar mais responsabilidades
Pedro teve a experiência de ficar sem o que se tem. E é necessariamente mais livre quem tem muito? Fernando Ulrich, presidente executivo do BPI, aceita o desafio de responder. Está em Lisboa, num edifício com vista para a Avenida da… Liberdade.

- Eu ganho muito bem, mas não sou rico no sentido de ter muito património. Mas ganho muito bem e isso é público.
- O dinheiro traz liberdade?

Fernando Ulrich faz uma longa pausa antes de responder. Quebramos o silêncio.

- É uma provocação...
- Não, não... É uma questão muito interessante.

O presidente do BPI olha em frente e procura uma resposta no inexpressivo canto da sala.

- É tudo relativo. Neste momento, por causa desta pergunta, estava a olhar para trás, quando não ganhava nada bem, quando era mais novo. Se era mais ou menos livre? Não consigo sentir uma grande diferença. À medida que a vida avança, nós vamos também assumindo responsabilidade perante outras pessoas, a propósito de dinheiro. Ganhar melhor dá liberdade de poder tomar mais responsabilidades.

Respostas em clausura
A Europa e o mundo esperaram um dia por uma certa jovem, formada em relações internacionais, que reunia todas as condições para uma carreira de sucesso. Mas um chamamento fê-la entregar-se ao Carmelo, um mosteiro de clausura, quando tinha 27 anos. O nome fica no anonimato.

- A minha relação com Jesus - é a coisa mais importante na minha vida - faz conhecer-me melhor. Vejo que talvez não fosse assim tão livre, interiormente. Vejo egoísmos, vejo caprichos meus, cedências e até disparates que podia ter evitado e não evitei. Entregava-me àquele emprego e, mesmo assim, chegava ao fim do dia e não tinha aquela plenitude de felicidade interior. Eu até lhe digo mais: foi literalmente como se tivesse esgotado todas as possibilidades de realização humana e profissional. Eu tinha 350 amigos e passei a ter 3, porque bastavam-me. Era como se o meu coração estivesse cativo. Apercebi-me que o meu coração estava cativo de Jesus. Estava apaixonada por ele.

- Lá fora podia fazer o que lhe apetecia, do outro lado das grades. Aonde é que se joga a liberdade aqui dentro?

- A liberdade tem que ver com as convicções profundas que eu tenho, que eu alimento, sobre as quais eu reflicto. Depois, as decisões que eu tomo são em função dessas convicções. Além disso, essa liberdade precisa sempre ser educada, moldada, iluminada e ajudada. Normalmente, tem que ser maior do que nós, porque senão ficamos nós a medida da nossa liberdade: o meu querer, o meu gosto, gosto ou não gosto, apetece-me ou não me apetece. Isso não é e não nos torna felizes.


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